Por Pe. Jerônimo Gasques.
Por que do desafio do dízimo cristão? Poderia ser não cristão? Sim. Poderia ser judaico [ou protestante: do pentecostal, do evangélico, etc] ou muçulmano, etc, mas aqui, vamos tratar desse desafio que a todos os católicos atinge; o que está por detrás da experiência do dízimo. Embora alguns façam de conta que não seja tão incômodo assim.
Quando pensamos em organizar o dízimo na comunidade, o vemos através de dois ângulos. O financeiro (econômico) e o espiritual (testemunho de vida). Não há como pensar o dízimo sem observar esses dois pontos de equilíbrio; como uma balança com dois pratos (embora alguns tenham o dízimo à medida de uma balança de um prato só). Faltando um ou dando mais atenção ao outro, o dízimo fica distorcido como de uma imagem fosca no espelho.
O dízimo deve ser uma [ou única] proposta específica para a comunidade cristã. De certa forma, é um dos maiores desafios da comunidade quanto se refere à sua manutenção. Manter a Igreja é intenso e oneroso. As leis às quais estamos sujeitos não dão trela para um possível trabalho benemérito e gratuito. O cuidado se volta àqueles que executam trabalhos (manuais, braçais e outros) no interior do espaço predial da Igreja paroquial e comunidade.
Tudo poderá ser revertido em “trabalho” embora não renumerado. O melhor e justo é termos os nossos trabalhadores registrados e cumprindo as leis do trabalho para não destoar da nossa missão de testemunhas do Reino. Para isso, necessitamos de dinheiro para manter e administrar a Igreja paroquial. Enfim, cuidado nunca é demais.
Infelizmente muitos ainda pensam que a Igreja viva apenas da graça do céu e que Deus prove tudo como dizem os capitalistas da fé. Estes têm seus carnês garantidos e assim é fácil acreditar na “providencia” divina. O difícil é manter a vida paroquial em ordem.
Jesus quando esteve por aqui, também tinha algumas mulheres que o auxiliava com seus bens. As mulheres faziam parte do grupo de discípulos que andavam com Jesus. Elas lhe auxiliavam com seus bens e serviam como verdadeiras diaconisas no cotidiano do mestre (Lc 8,1-3). No ministério do apóstolo Paulo também havia lugar para as mulheres que lhe auxiliavam e cooperavam com a expansão do reino de Deus (Rm 16,1-2).
Judas recebeu de Jesus um cargo importante, abra sua Bíblia em João 13,29 – “Porque, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito: compra o que nos é necessário para a festa; ou que desse alguma coisa aos pobres”. Aqui está dizendo que Judas era o tesoureiro de Jesus. Judas administrava as finanças do Messias (da comunidade apostólica), porque como Judas tinha a bolsa pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito para comprar o que é necessário para a festa e ou que desse alguma coisa aos pobres. Fala comigo: Judas foi um homem de confiança do Mestre!
Você coloca o seu dinheiro e recursos na mão de quem você não confia? A pessoa de sua empresa que mexe com seu dinheiro é a pessoa que você mais depositou confiança? Esse, com certeza, devem ser o único questionamento que devemos fazer ao se tratar de finanças, de dinheiro. Jesus confiava em Judas (ao menos as Escrituras nada dizem ao contrário). Jesus colocou em Judas a responsabilidades dos recursos para ele administrar. Jesus era Deus, mas não era um mágico à espécie David Copperfield. O pior de tudo é quando apelamos para a infantil ingenuidade de que a “Igreja não necessita de dinheiro” para existir.
Outra cena que evoca a lembrança das finanças na administração de Jesus foi aquele onde Jesus pede aos discípulos nutrirem o povo de pão. Eles questionam sobre o deserto e onde comprar pão para tanta gente. “Eles lhe disseram: “Vamos, então, gastar duzentas moedas de prata para comprar pão e dar-lhes de comer?” (cf. Mc 6,34-44). Será que eles tinham esse valor consigo? Estaria com Judas? Filipe seria o segundo tesoureiro da pasta? Haveria uma carteira comum para as despejas no ministério? São apenas perguntas.
Vemos, nesses dois exemplos, a necessidade do dinheiro para a manutenção da obra de expansão do Reino. O que podemos questionar seria sobre os desequilíbrios na vida financeira de uma comunidade e o desordenado desejo pelo dinheiro como se o mesmo fosse a única fonte de animação e de manutenção da comunidade religiosa. Ter o necessário e um pouco para o mês seguinte não seria um desperdício ou abjeção à ganância! Apenas uma questão de prevenção e para não “tentar o Senhor, nosso Deus” com aqueles famigerados pedidos de intercessão por aquilo que poderíamos fazer nós mesmos.
A comunidade primitiva dos cristãos não tinha o sistema de poupança para se manterem. Eles praticavam outro sistema de valores. Dedicam-se à prática do modelo ensinado pelo Mestre. "E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum..." (Atos 2,44). O que vem à mente? O sistema de partilha. A primeira coisa que podemos ver pelo texto de Atos 2, 44 é que os que criam estavam "juntos". Eles compreenderam como diz o texto de 1Pr 2, 9 que eram entre os próprios judeus, “uma nação santa, um sacerdócio real, um povo adquirido”, isto é, que andavam pelo Espírito na presença do próprio Deus.
Os que antes eram fariseus ou saduceus estavam agora juntos. Se antes eram escravos ou livres, bárbaro ou cita, homem ou mulher, que importa! Agora estavam em Cristo, era um em Cristo. A inimizade tinha sido desfeita na cruz: "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades" (Ef 2,16). Esses aspectos fazem o dízimo serem diferentes das demais contribuições.
Isso é simplesmente fantástico! Agora tinham um só caminho, um só coração e uma só alma: "E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns" (Atos 4,32). Essa é a única forma de se optar por um dízimo consciente e sempre em crescimento. Os entraves e obstáculos, com certeza, são frutos de uma falta de catequese sobre a necessidade do dízimo e como ele se articula no seio da comunidade cristã.
Algumas observações:
1ª. Buscar o ponto do equilíbrio para a manutenção da comunidade;
2ª. Saber distinguir o certo do errado;
3ª. O exagero do descomunal;
4ª. A necessidade da ganância à parcimônia;
5ª. O apelo exagerado do temperado modo de se pedir os dízimos;
6ª. A transparência da indelicadeza em prestar contas;
7ª. Da imposição do dízimo na/da liberdade em contribuir.
São fatores que não podem ficar ao relento da reflexão.
Afinal, se somente os nossos bens forem repartidos, após fazermos isto acabaria a comunhão, a não ser que continuássemos repartindo, e repartindo. O que eles tinham em comum era uma Pessoa, um corpo, uma fé, e uma esperança eterna, e não somente bens. O dízimo não é uma obrigação e nem um dever. Apenas, para quem caminhou na fé, uma necessidade de repartir; de praticar a comunhão na comunidade de iguais. Isso satisfaz o dizimista fiel; essa é a diferença que devemos descobrir no dízimo cristão.
Esse deve ser o e um princípio básico de alguém que diz crer: andar junto. Este é o princípio da espiritualidade do dízimo cristão. Sem esse caminhar juntos a comunidade se divide e não produz o necessário para a comum união. Ser dizimista é encontrar o ponto de equilíbrio entre os dois pratos da mesma balança. O dízimo cristão traz no seu bojo a realidade do “mundo novo” profetizado por João no Apocalipse.
Acreditar que o mundo novo só será possível por meio da comum união entre os eleitos, isto é, com aqueles que creem. O dízimo é isso, o resto é festa da partilha!
Pe. Jerônimo Gasques é Escritor e Pároco na Paróquia São José, Presidente Prudente/SP. Autor de várias obras nas seguintes áreas: Dízimo, Juventude e Acolhimento, dentre elas: “Dízimo e captação de recursos”.
Contato: jeronimo.gasques@gmail.com